Náufrago

Deixe que me explique, menina:
todo poeta é um náufrago
e cada seu poema uma ilha azul

Quando já não temos comida, menina,
garramos num destes poemas
e ficamos lá, por um tempo.

Nalguns passei anos,
noutros só três minutinhos…

O tempo não passa nos poemas, menina.
Nos poemas o tempo é quando…

É isso, criança, é isso que te queria dizer:
Sou um náufrago, menina!
E você!?
Você é a ilha onde passei todo o meu futuro.

=Dom, #467
Poesias de Busão, por Caroline Almeida e além…

Minha sentença

Calabouços
Claustrofóbicos,
Teus olhos

Masmorras
Onde das horas
Me perco

Círculos negros
Vagando no espaço,
No tempo
De quem não fui

Calabouços
De minha sorte,
Teus olhos,
Minha sentença.

=Dom

“Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e
poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu.
Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da
dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos
de ressaca? Vá, de ressaca.”
Assis, Machado de. Dom Casmurro

Mea Culpa

Por entre a turba,
enlouquecido, buscava
os olhos de minha morte.

Em mim, calado,
Vociferavam idéias infames.
Me faltava calma,
Me sobrava culpa.

O vil “modus operandi”,
sempre.
Ali, a metros de mim,
Meu destino…

Tocam, ecoam…
É chegada a hora,
“Mea culpa”,
Me entrego…

De minha sorte, o tempo
De minha morte, os olhos.

=Dom

Sumiu-se o desgraçado

Não tinha estrelas, o céu.
Jazia numa escuridão estranha,
Quase achei que fosse noite.

Não era noite, apenas faltava-me o sol.
Embrenhara-se por entre as nuvens e sumira
Saudades do desgraçado.

Mas de todo, a maior dor não foi sua falta.
Latejava-me a alma, de fato
o escuro que ainda estava por vir.

=Dom